quarta-feira, 26 de maio de 2010

O MENINO COM DEFICIÊNCIA (José Bonifácio - SP)

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Já era noitinha...O menino calçava o pé pequeno e defeituoso na sua alpargata e saia pela praça, ora caminhando com cuidado, ora saltando com a perna sadia (esquerda) para proteger o pé dolorido ou tentando disfarçar a sua anomalia,  dessa forma chegava à casa da bondosa *dona Diná para assistir televisão, pois havia poucas casas com aparelhos de TV naquela época.
Ficava quietinho num canto junto com outros meninos vendo os filmes de bang-bang, aventuras, policiais etc. ele não entendia muita coisa, mas o mundo naquela telinha o divertia, o deixava curioso, o levava a sonhar, a questionar sua vida e imaginar o que havia além dos seus horizontes...
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Outras vezes aparecia na casa do Nelson e dona Maria pais do seu amigo Thales Pereira. Lá num canto da sala da TV  já tinha sua cadeira cativa sempre a sua espera, ali ficava em silêncio quase oculto, só lembravam da sua presença quando ouviam a sua gargalhada repentina, por causa de alguma cena engraçada na TV...
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Além de ver televisão, o menino às vezes aventurava-se a procura de algum tesouro num deposito de sucatas. Ia escarafunchando até encontrar o que mais lhe interessava, livros de aventuras, Gibis, romances, jornais e revista velha, quantas novidades ele foi desvendando, imaginem um dia ele encontrou um livro em espanhol que dava dicas de como fazer um parto, outro sobre o primeiro transplante de coração, e assim foi se alimentando de conhecimentos que outras pessoas jogavam no lixo.
Ainda era criança o seu estado físico não o incomodava, brincava, tentava jogar bola, mas se outro menino o acertasse no tornozelo deformado as dores vinham, e saia mancando ou pulando, sentava num canto e por lá ficava choramingando até se recuperar... E depois devagarzinho e teimoso ia novamente a se arriscar no meio da molecada...
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A sua dificuldade de caminhar o levava a um sonho: um dia ganhar uma bicicleta, mesmo contra a deficiência causada pelas sequelas da poliomielite: atrofia muscular na perna direita, o problema no pé e as opiniões dos pessimistas ele tentou... Tentou... Tentou...
E assim um dia numa bicicleta emprestada do seu amigo, apoiando-se nos muros, ele conseguiu equilibrar-se e com a perna esquerda foi levando os pedais rua abaixo... Até hoje vem a minha memória a festa do seu amigo e a torcida das outras pessoas, para que ele continuasse a pedalar...E ele conseguiu...
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Uma tragédia caiu sobre sua vida, seu pai adoecera e pouco tempo depois veio a falecer. Com a morte do seu pai a sua vida iria tornar-se difícil...Na sua fantasia de criança havia ainda uma esperança que seu pai não havia partido desse mundo, chegou o procurar até dentro dos armários sismado que ele estava escondido com sempre fazia nas suas brincadeiras. Seu pai, seu herói realmente havia partido...Um dia ele imaginou um escada que o levaria ao céu que logo se dissipou. Quando a realidade caiu dura e fria o menino chorou muito, não haveria mais jeito, nunca mais viria seu pai...
Sua família agora resumia em sua mãe e uma irmã mais nova, os outros parentes distanciaram-se... Cada um tinha sua vida (???????)
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Sempre pelos cantos lendo seus velhos livros, alguns o rotulavam de "boboca", outros se referiam a ele como um menino "problema" porque quando seu interior chorava e o seu corpo tremia, achava consolo debaixo de alguma cama da casa e junto com pares de calçados, algum gato preguiçoso e  envolto no seu silencio adormecia...
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À noite ele ia para uma pracinha próxima a sua casa e tentava brincar com os meninos e meninas, que na sua maioria eram brincadeiras de pega-pega, bola queimada, pula corda. Brincadeiras que ele não conseguia participar. Uma vez ou outra tentava, mas sua perna direita com músculos atrofiados pela paralisia infantil e o pé dolorido não permitiam.  

Chegava o tempo das aulas...

Agora nas manhãs o menino começava enfrentar o mundo... Ia para a escola e ficava encolhido num canto até à hora do "sinal", depois em fila com outros alunos iam todos para sua classe, escolhia sempre um dos últimos bancos... Preferia ficar sozinho tinha pavor de ser descoberto, e quando as abordagens aconteciam com aquelas perguntinhas inocentes ou maldosas o menino não respondia, porque na sua visão já se via diferente de outros meninos, e não tinha encontrado nada em si que poderia complementar as suas limitações.

Assim o menino já começava a penetrar nos mistérios da adolescência, a imaginar coisas intimas que logo de inicio se excluiu, pois o julgamento de si próprio era terrível, se enxergava roto, torto, desordenado, e não encontrava alento para que isso se resolvesse. A inocência que antes era a sua armadura contra o mundo foi-se quebrando, e o mundo escolar começou a representar para ele um lugar de tormentas e aflições.

O único sentido na sua vida além das curiosidades nos livros encontrados na sucata, era a uma velha bicicleta que ganhou da sua mãe. E pedalando com a força da perna esquerda, corria pelos arredores da cidade em companhia de seu periquito que ia agarrado no guidão ao sabor do vento, buscavam nos campos a liberdade e outros seres viventes que apenas lhe traziam suas plumas, suas cores, seus cantos e nunca lhe perguntavam por que não caminhava direito?
Num destes passeios o menino encontrou um passarinho com uma asa ferida, colocou a sua mãozinha sobre a ave pediu a Deus e disse: "voe eu te ajudo" e o passarinho voou... A graça do passarinho entre os galhos se desfazendo do medo, despertava no menino um misto de ternura e companheirismo, o bichinho havia encontrado ajuda... Em vôos curtos ia para uma árvore, outra árvore, e fugiu para a floresta...

Completava 13 ou 14 anos, órfão de pai foi obrigado a trabalhar num escritório de contabilidade, o escalaram para os serviços externos, uma tarefa incompatível com sua realidade física e psicológica, porque fizeram isso? Por que há pessoas que não compreendem as dores alheias? Talvez porque não compreendem coisa alguma... (Poderiam classificar como uma ficção para ilustrar esta história, mas deu-se exatamente assim e com maiores detalhes...) A morte passou pela sua mente muitas vezes, mas não daria esse prêmio a eles, não mereciam este sacrifício...

Já não usava mais as alpargatas da infância, neste tempo o menino já calçava botas improvisadas como se fossem ortopédicas. E no pé deformado ele colocava varias meias e apertava bem os cadarços, assim aliviaria as dores que sentia no tornozelo... 
E pelas ruas pedalando com a perna esquerda ia e vinha com papeis, dava recados, fazia cobranças, pagamentos nos bancos, percorria as repartições, fazia amizades, aprendizagem sobre a sua existência, descobria que havia homens maus e homens bons, e cada um deles apontava um caminho. Descobria que havia o caminho das pedras e das flores, e cada um deles levava a um destino.

Num dia encontrou um amigo que não sabia que existia... Sr. Armando aproximou-se do menino, não perguntou se lhe doía à perna, não perguntou nada, apenas se queria trabalhar no seu escritório e a função era apenas interna, teria sua mesa e seu espaço e novas oportunidades.

E assim começou o seu novo caminho pedalando a sua bicicleta com a perna esquerda, agora apenas para ir ao novo trabalho... Até hoje quem não se lembra do menino com deficiência, é só descreve-lo, aonde anda pelo mundo?



Veja nos comentários, a opinião de um dos maiores amigos que encontrei na internet: O Morani, amigo que Deus já recolheu.








3 comentários:

Blog do Morani disse...

Li o seu conto. Afianço-lhe ser carregado de fortes emoções evocativas. O Menino Deficiente é o espelho do meu amigo Rivaldo de José Bonifácio, SP, aquele mesmo que atualmente usa um escudo e uma espada em defesa da ecologia - fauna e flora - e envolvendo as vidas dos seres humanos, pois que se serve àquela, serve aos homens.
Quero deixar inicialmente essa pequena nota, mas como pretendo ler o conto mais uma vez - como costumo fazer à todas as minhas leituras às quais eu devo um comentário - retornarei com o fardo mais cheio, pois emoções existem de sobejo nesse conto tão profundamente humano - a infância difícil de um baluarte e mensageiro de Deus a pugnar pelo que é da Vontade desse Grande Dono do planeta Terra e tudo que nele há.

Blog do Morani disse...

Grande vida, sem que tivesse a noção exata da "prova" a qual se sujeitava.Criança, ainda, e já se formava em seu espírito vivaz os questionamentos à sua própria condição de Vida. Ansiava descobrir o futuro abrindo-lhe às portas todos os seus receios, todas as suas esperanças e todos os seus sonhos. Há muitas outras crianças assim. Eu fui uma delas, também. "O que pode haver além do horizonte?" Só o Futuro descortinaria aos anseios do Menino Deficiente o que seria a sua existência além dos mistérios, além de seus medos e de suas aspirações. Ele se escondeu ao máximo para não se ver conspurcado em seus sonhos e em seus planos, que os tinha, mas mal formados pelas dúvidas que carregava consigo como pesado fardo cheio de pavores. Sem entender as razões de suas limitações não lobrigou que força maior se agigantava em seu íntimo. Era preciso dar tempo ao tempo. Transformou-se em um desbravador de "sucatas" por acreditar, talvez, que o seu pequeno mundo jamais sairia das fronteiras em que vivia. Os velhos livros lhe abriram a visão maior - os frutos das sucatas. Encontrou, na singularidade da situação, os primeiros degraus de sua subida. A força de vontade indômita adveio de um jogo de bola em que levou uma pancada e deixou o campo de jogo. Voltou. Demonstrava, já, toda a sua "teimosia" em não aceitar ser menos que os demais. Diga-o sua irreprensível vontade de trepar a uma bicicleta e sair pedalando com uma só perna - a "boa", a esquerda. E o que não conseguiria esse Menino Deficiente? Buscar refúgio debaixo de camas, entre teias de aranha, não o assustava. Assustava-o mais os olhos perquiridores das gentes sem sentimentos e sem respeito por sua deficiência. A orfandade o atingiu cedo ainda. Mas havia um outro Pai, alerta e cuidadoso, guardando para ele as mais brilhantes situações.
Emocionante é a passagem à praça da cidade e o carrinho de pipocas. Humilhante? Não para ele que via tudo de modo avesso aos dos outros garotos. Continuou a sofrer na escola, m as foi lá que se quebrou uma parte do "gelo" a que se via mergulhado. Ou enfrentava o mundo ou o mundo faria isso separando-o de entre os demais. Teria escolha o Menino Deficiente? Não! A Vida o havia escolhido. Desafios não são para serem testados, mas enfrentados. No íntimo ele sabia e o provou, anos mais tarde. A Natureza não dá saltos, mas caminha lentamente, porém direito ao seu Destino. Uma sua testemunha jamais poderá falar ao seu favor: um passarinho que ele encontrou certa vez sem possibilidade de alar-se em vôos libertadores. Colocou-o às mãos protetoras e em uma prece ao Pai Superior, que já o Tinha à conta de um cavaleiro de capa e espada, atendeu seu pedido. O pássarinho alçou vôo direto de sua mão. Que de encantamento! Vaticínios? Sem dúvida foram. Topou caminhos de pedras e de flores. A qual enveredar. Não seria dele o escolher. Sua escolha já se achava pronta e justa a se encaixar a ele. Ele entendeu que os de pedra foram os primeiros a lhe burilar a Alma como se burila uma pedra preciosa para lhe tirar mais brilho, como os diamantes. O Menino Deficiente não anda pelo Mundo. Ele anda pelos caminhos ásperos ao mesmo tempo que suaves de José Bonifácio, SP. Não tem mais sua bicicleta, mas tem um seu veículo automotivo - Fusca - que o atende muito bem nas andanças que empreende pelo município. Vê-lo por lá, em momentos que seriam de folga, não é dificil. Se você não pode estar lá, imagine-se lá ao seu lado em visitas a lugares ermos a fim de evitar desasre de graves proporções para José Bonifácio e sua população ordeira. É chefe de família; é pai dos mais dedicados e mais dedicado filho da Mãe Natureza que o Pai Maior o ficou ali para a proteção de Suas Criações. Eis como vejo atualmente o Menino Deficiente, que deixou de ser.

Blog do Morani disse...

Blog do Morani disse...
Grande vida, sem que tivesse a noção exata da "prova" a qual se sujeitava. Criança ainda e já se formava em seu espírito vivaz os questionamentos à sua própria condição de Vida. Ansiava descobrir o futuro abrindo-lhe às portas todos os seus receios, todas as suas esperanças e todos os seus sonhos. Há muitas outras crianças assim. Eu fui uma delas, também. "O que pode haver além do horizonte?" Só o Futuro descortinaria aos anseios do Menino Deficiente o que seria a sua existência além dos mistérios, além de seus medos e de suas aspirações. Ele se escondeu ao máximo para não se ver conspurcado em seus sonhos e em seus planos, que os tinha, mas mal formados pelas dúvidas que carregava consigo como pesado fardo cheio de pavores. Sem entender as razões de suas limitações não lobrigou que força maior se agigantava em seu íntimo. Era preciso dar tempo ao tempo. Transformou-se em um desbravador de "sucatas" por acreditar, talvez, que o seu pequeno mundo jamais sairia das fronteiras em que vivia. Os velhos livros lhe abriram a visão maior - os frutos das sucatas. Encontrou, ele, na singularidade da situação, os primeiros degraus de sua subida. A força de vontade indômita adveio de um jogo de bola em que levou uma pancada e deixou o campo de jogo. Voltou. Demonstrava, já, toda a sua "teimosia" em não aceitar ser menos que os demais. Diga-o sua irrepreensível vontade de montar a uma bicicleta e sair pedalando com uma só perna - a "boa", à esquerda. E o que não conseguiria esse Menino Deficiente? Buscar refúgio debaixo de camas, entre teias de aranha, não o assustava. Assustava-o mais os olhos perquiridores das gentes sem sentimentos e sem respeito por sua deficiência. A orfandade o atingiu cedo ainda. Mas havia outro Pai, alerta e cuidadoso, guardando para ele as mais brilhantes situações.
Emocionante é a passagem à praça da cidade e o carrinho de pipocas. Humilhante? Não para ele que via tudo de modo avesso aos dos outros garotos. Continuou a sofrer na escola, mas foi lá que se quebrou uma parte do "gelo" a que se via mergulhado. Ou enfrentava o mundo ou o mundo faria isso o separando de entre os demais. Teria escolha o Menino Deficiente? Não! A Vida o havia escolhido. Desafios não são para serem testados, mas enfrentados. No íntimo ele sabia e o provou, anos mais tarde. A Natureza não dá saltos, mas caminha lentamente, porém direito ao seu Destino. Uma sua testemunha jamais poderá falar ao seu favor: um passarinho que ele encontrou certa vez sem possibilidade de alar-se em vôos libertadores. Colocou-o às mãos protetoras e em uma prece ao Pai Superior, que já o Tinha à conta de um cavaleiro de capa e espada, atendeu seu pedido. O passarinho alçou vôo direto de sua mão. Que de encantamento! Vaticínios? Sem dúvida foram. Topou caminhos de pedras e de flores. A qual enveredar? Não seria sua a escolha. Sua escolha já se achava pronta e justa a se encaixar a ele. Ele entendeu que os de pedra foram os primeiros a lhe burilar a Alma como se burila uma pedra preciosa para lhe tirar mais brilho, como os diamantes. O Menino Deficiente não anda pelo Mundo. Ele anda pelos caminhos ásperos ao mesmo tempo em que suaves de José Bonifácio, SP. Não tem mais sua bicicleta, mas tem um seu veículo automotivo - Fusca - que o atende muito bem nas andanças que empreende pelo município. Vê-lo por lá, em momentos que seriam de folga, não é difícil. Se você não pode estar lá, imagine-se lá ao seu lado em visitas a lugares ermos a fim de evitar desastres de graves proporções para José Bonifácio e sua população ordeira. É chefe de família; é pai, dos mais dedicado, e mais dedicado filho da Mãe Natureza que o Pai Maior o fixou ali para a proteção de Suas Criações. Eis como vejo atualmente o Menino Deficiente, que deixou de ser.

31 de julho de 2010 10:52