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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O OLHAR E O DESTINO

A escolha está na moda. Dizem que a escolha é importante, que a escolha é uma coisa séria, difícil, complicada...

A primeira escolha é a da direção do olhar e de sua permanência nas coisas, pessoas, objetos. Posso olhar para um lado ou para outro, ver um objeto deste ou daquele ângulo, numa cena complexa posso preferir ver esta pessoa e não aquela, o mendigo e não a mansão, a mulher que me fascinou ou o chão de cimento, o preço das coisas nas vitrines ou o azul do céu.

É sempre muito importante o lado para o qual olhamos, o ângulo – e o fundo – sob o qual vemos este ou aquele objeto – o objeto que escolhemos ver. Toda escolha começa pelos olhos.

Tão fácil mover os olhos! Tão inesperadas as consequências deste ato tão fácil.
Posso, de repente, encontrar-me com meu destino!
Já imaginaram que coisa mais perigosa é olhar?

E o falar?
O falar é um pouco mais lento e sua estrutura inerentemente mais complicada do que a do olhar. Pouco fazemos em matéria de aprender a ver (mesmo quando para ver mal seja preciso um aprendizado longo); falar é aprendido mais tarde e antes de falarmos “bem” – como se espera e se exige de nós – demoramos bastante. Para encontrarmos, enfim, nossa linguagem, demoramos muito e muito – quando a encontramos.

Com toda a certeza a maioria das coisas que dizemos resumem-se a frases feitas sobre assuntos feitos. Sobre muitos outros assuntos nada sabemos ou nada conseguimos dizer; sobre assuntos familiares dificilmente inventamos algo novo para dizer ou uma forma nova de dizer coisas velhas. Talvez por isso as pessoas gostem tanto de ouvir ou saber de “novidades”. 
A notícia é um grande negócio. Impossibilitados ou incapacitados de se renovarem na visão ou na verbalização das coisas, buscam todos, quase aflitivamente, a renovação de si mesmos nas novidades. 

Ou na moda!
É preciso mostrar.
É preciso dizer.

Tolice pedir às pessoas que vejam ou digam elas mesmas. Irão repetir-se mil vezes. Estão presas. 
À roda – diz o hindu. Mesmo quando lhes acontece algo de novo, mesmo que o novo as toque direto e fundo, mesmo então e mesmo assim elas apenas repetem. Em público e em particular. Na roda social, na roda de amigos. Para si mesmas. Se não surgirem novas formas de dizer e novas direções para as quais olhar, então nada de novo acontece. Acontece apenas o eterno envelhecer do novo.



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

CRÔNICA PARA SI MESMO




Percival De Brites Figueiredo

Olho no espelho a cara “dele”. É um saturado, não tenho dúvidas. Vejo fios brancos na cabeleira, camuflados com tintura. E fios brancos são sinais de fim-de-festa.

A vida, afinal de contas, é uma escalada. De cinco em cinco anos, um traço maior. Até o primeiro qüinquênio, o homem se adpta à vida, em luta violenta, porque não é fácil adaptar-se à vida. Até o segundo, aprender a ler. No terceiro, faz descobertas. No quarto, é adulto. E “ele”, em dezembro deste ano, atinge o novo traço grande da escala.

Olho a cara “dele”.

Há cansaço em seu rosto. É cansaço de muitas lutas, de muitos dissabores e muitas desesperanças. Mesmo assim, vejo em seus olhos vontade ser bom, ainda que os outros não queiram essa bondade e, por isso, teimam em não deixar que ela subsista.

O próprio Deus dividiu a espécie humana em raças. Cada uma tem sua cor, seu jeito de ser. No fundo, odeiam-se. Em consequência, instituíram-se fronteiras. Matam-se. Desumanizam-se. O ódio virou a mais potente instituição universal. Ser bom até parece que não vale a pena. Ser bom é um mal.

“Ele” pisou outros chãos. Viu outras caras de homens. Esteve em diversas prateleiras da existência. Teve e não teve teto. Já dormiu e já não pode dormir. Aí está seu cansaço. É testemunha eloquente de todas as vicissitudes. Aí estão seus olhos. Confirmam a vontade de ser bom.

Daqui alguns meses “ele” vai para 14º tracinho mais forte da escala. Fica bem um setentão mal humorado? A paisagem é serena, o céu azul, a vida, afinal, é bela. Como tal, um convite às coisas que não deixam remorso. Tudo é chamamento à concórdia, como mostram as mensagens aqui divulgadas. Cada janela mostra um sorriso de encantamento da paisagem, a despertar embevecimento. E o que é isso, senão a própria vida ensinando bondade?

Mas a lição fica e a caravana passa. Enfim, este homem que se olha no espelho, que vê seus olhos visionando amor, os fios brancos de fim-de-festa, que vê seu semblante que é cansaço – este homem se enternece. Confrange-se. Apieda-se do incompreendido que é. E escreve crônica para si mesmo.