segunda-feira, 6 de agosto de 2012

CRÔNICA PARA SI MESMO




Percival De Brites Figueiredo

Olho no espelho a cara “dele”. É um saturado, não tenho dúvidas. Vejo fios brancos na cabeleira, camuflados com tintura. E fios brancos são sinais de fim-de-festa.

A vida, afinal de contas, é uma escalada. De cinco em cinco anos, um traço maior. Até o primeiro qüinquênio, o homem se adpta à vida, em luta violenta, porque não é fácil adaptar-se à vida. Até o segundo, aprender a ler. No terceiro, faz descobertas. No quarto, é adulto. E “ele”, em dezembro deste ano, atinge o novo traço grande da escala.

Olho a cara “dele”.

Há cansaço em seu rosto. É cansaço de muitas lutas, de muitos dissabores e muitas desesperanças. Mesmo assim, vejo em seus olhos vontade ser bom, ainda que os outros não queiram essa bondade e, por isso, teimam em não deixar que ela subsista.

O próprio Deus dividiu a espécie humana em raças. Cada uma tem sua cor, seu jeito de ser. No fundo, odeiam-se. Em consequência, instituíram-se fronteiras. Matam-se. Desumanizam-se. O ódio virou a mais potente instituição universal. Ser bom até parece que não vale a pena. Ser bom é um mal.

“Ele” pisou outros chãos. Viu outras caras de homens. Esteve em diversas prateleiras da existência. Teve e não teve teto. Já dormiu e já não pode dormir. Aí está seu cansaço. É testemunha eloquente de todas as vicissitudes. Aí estão seus olhos. Confirmam a vontade de ser bom.

Daqui alguns meses “ele” vai para 14º tracinho mais forte da escala. Fica bem um setentão mal humorado? A paisagem é serena, o céu azul, a vida, afinal, é bela. Como tal, um convite às coisas que não deixam remorso. Tudo é chamamento à concórdia, como mostram as mensagens aqui divulgadas. Cada janela mostra um sorriso de encantamento da paisagem, a despertar embevecimento. E o que é isso, senão a própria vida ensinando bondade?

Mas a lição fica e a caravana passa. Enfim, este homem que se olha no espelho, que vê seus olhos visionando amor, os fios brancos de fim-de-festa, que vê seu semblante que é cansaço – este homem se enternece. Confrange-se. Apieda-se do incompreendido que é. E escreve crônica para si mesmo.

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